sexta-feira, 20 de julho de 2012

República Cristã do Brasil

É isso aí, meus caros. Como aquela desconfortável constipação que bate a emergency exit quando os últimos dias foram corridos demais para assumir o trono de porcelana, uma série de demonstrações de que o Brasil segue em vias de ter grandes problemas com o fundamentalismo cristão estão se revelando, digamos, atipicamente (assim o digo por que nessas bandas miscigenadas sempre houve choque entre religiões de matriz africana e o neopentecostalismo cristão, mas o mesmo era velado, afinal lembremos de nosso fado tropical: sermos o sumo da hipocrisia e um imenso Portugal). 
O resultado, pela própria analogia escolhida, é plenamente dedutível. In  vino veritas e nos fatos também. 
A mídia acompanhou recentemente uma grande e patética celeuma em torno de questões políticas envolvendo dogmas religiosos. Ressalto: o galinheiro discutiu apenas dogmas religiosos e não uma  lógica humanística ou racional que divergisse daquela científico-filosófica, o que seria até certo ponto escusável. Explico-me: o caso dos fetos anencéfalos. O único real proveito tirado de todo o debate foi a endorfina liberada em meu polido cérebro - e no de muitos também - por conta das risadas que pude desfrutar.
Perguntas simples respondem a questão acerca da possibilidade ou não do aborto de fetos sem encéfalo: há bem jurídico a tutelar? É claro que não, o feto não sobreviverá por mais de alguns minutos fora do útero. Há bem jurídico prejudicado em caso de manutenção forçada da gravidez? Sim, lembremos que a mãe torna-se o sepulcro do filho. Pronto, a solução salta aos olhos: deve-se permitir o aborto de fetos anencéfalos. O problema está, na verdade, no paradigma filosófico. A maioria da Academia brasileira pauta-se ainda pela filosofia da consciência, crente de que há essência nas coisas (vide princípio pleonástico da verdade real) - inclusive nos humanos - fato esse que nos presenteia com um plus. O conceito de alma, por exemplo, nos descreve uma essência humana que é deveras valiosa. Tão valiosa que não permitiria a morte - o aborto - de fetos sem encéfalo. O que os néscios de Cristo e de Platão parecem esquecer é que a consciência está intrinsecamente ligada ao encéfalo. Desenhando: sem encéfalo, não há consciência, não há personalidade, não há possibilidade de uma existência viável.
 Por mais suculento que seja crer em algo de elevado no homo sapiens sapiens no sentido de dádiva, aceitar esse argumento prêt-à-porter é, no mínimo nefasto e pueril, afinal on omne quod fulget aurum est.
 A própria consciência, quando levamos em conta a virada ontológico linguística - linguistic turn - (início da diaspora da metafísica), só existe por que conseguimos, através de símbolos, descrevê-la. Mas este é assunto para outro momento.
Inúmeros são os projetos de Lei criados pelo que se convencionou chamar de "bancada evangélica", projetos estes que são de fazer inveja à própria Sharia. Um exemplo é, pasmem, (para minha infelicidade e para outros adeptos do one-time-only também), a proibição dos solteiros em motéis. Confiram a reportagem de Fabio Florez:


"A comissão de constituição e justiça da Câmara dos Deputados está avaliando a constitucionalidade do projeto de autoria do deputado Josias Macieira (DEM-TO) que estabelece a obrigatoriedade da apresentação da certidão de casamento nas recepções de motéis. O projeto que conta com amplo apoio da bancada evangélica no Congresso quer coibir o pecado da fornicação no Brasil.
Segundo o deputado Josias Macieira “a razão social dos motéis os permitem a fazer hospedagens de curta duração, no entanto o que vemos hoje é a prática da fornicação e da prostituição. Em defesa da família e dos bons costumes queremos coibir o avanço da sem-vergonhice neste país que já é tão profanado”.
Carlos Campos Junior, presidente da Associação Paulista de Motéis (APAM), considera aviltante o projeto de lei por interferir na intimidade dos brasileiros. Para Campos Junior “quem faz sexo é solteiro. Casado faz amor. Quem é casado não tem tempo nem dinheiro e muito menos vontade de ir em motel. Este projeto coloca em risco cerca de 50 mil empregos diretos e mais de 400 mil indiretos”.


O pastor Diógenes Oliveira, presidente da Associação Mundial das Assembleias de Deus, é radical ao avaliar o argumento da APAM. Para o pastor Diógenes “não importa quantos empregos vão deixar de gerar o fechamento dos motéis. Se é pra aliviar quem gera emprego assinem a carteira de quem trabalha em boca de fumo. O sexo não pode ser banalizado. Sexo fora do casamento e sem finalidade reprodutiva é carimbo no passaporte para o inferno”.
Caso a comissão de constituição e justiça avalie positivamente o projeto ele deve ser votado em agosto e pode entrar em vigência no mais tardar em setembro. Se você é solteiro aproveite seus últimos dias de acesso livre e irrestrito a estes playgrounds do prazer."
Vejam que os brilhantíssimos argumentos utilizados são, a bem da verdade, apenas dogmas religosos. Não se trata, conforme já dito, de uma lógica humanística divergente ou de uma super valorização de certo direito por conta de embasamentos religiosos. São simples dogmas, refutáveis, desprezíveis e patéticos, portanto.
Outro exemplo que trago nos revela, talvez de maneira mais clara, o quanto a asnice cristã ameaça - por mais que pareça apocalíptico dizê-lo - certas estruturas democráticas. Explico-me: para os paladinos do Transcendente, bem como para os ultra-direitistas e os comunistas radicais, tudo é possível sobre a égide do manto ideológico. Não há problema algum em queimar, pilhar e estuprar se o Olavo de Carvalho, Lênin ou Cristo ordenarem. O fenômeno é simples: ovelhas apontam para onde os pastores as guiam, sem perceberem que, na verdade, o pastor é um espantalho há muito movido por suínos bastante cínicos.
O caso abaixo – uma espécie de “marcha para Cristo” interrompendo um culto afro brasileiro – deixa bem claro a fato de que sou pontual em tudo quando tenho arguido, afinal "a religão é a forma mais polida de insanidade que já se criou, é a melhor desculpa para minhas excentricidades", como há muito disse certo escritor.

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